As limitações constitucionais e a (i)legalidade das Portarias expedidas pelos Procons estaduais

Por: Maria Eugênia Del Nero Poletti

A tutela, pelo Estado Contemporâneo, dos direitos do consumidor passa pelo controle rígido de legalidade.

Afinal, o Estado de hoje não pode prescindir da inevitável intervenção regulatória, mas deve, antes de tudo, respeitar princípios e competências constitucionalmente definidas.

A atuação da Administração Pública no exercício de polícia deve ser rigorosamente embasada em lei, tendo como norte as competências, os princípios constitucionais administrativos, bem como as prerrogativas individuais e as liberdades públicas asseguradas na Constituição.

Com razão, a dialogar com a natureza sancionatória, o jus puniendi do Estado dialoga com o próprio direito penal, e a partir daí se faz necessária a individualização das condutas e rígido critério para a aplicação da sanção.

Desta feita, no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, há delegação do Poder de Polícia para os Procons estaduais, competindo à Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça a coordenação da política nacional de defesa do consumidor, cabendo-lhe, dentre outras competências, (inciso X, art. 3º, do Dec. 2181/97) fiscalizar e aplicar sanções administrativas previstas na Lei 8.078, de 1990, e em outras normas pertinentes.

Nessa seara, temos que na repartição das competências constitucionais, o legislador determinou ser de competência concorrente entre a União e os Estados legislar sobre produção e consumo (art. 24, V) e responsabilidade por dano ao consumidor (art. 24, VIII)[1].

Por sua vez, há de se observar que o art. 55 do Código de Defesa do Consumidor[2], cujas normas são de ordem pública e interesse social[3], ratifica a competência concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal para “baixar normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços”.

Há, ainda, há o Decreto n. 2.181/97, que regulamenta o Código de Defesa do Consumidor e que estabelece no art. 24[4] e seguintes os critérios determinantes para a aplicação da multa.

Verifica-se que há uma determinação explícita quanto aos fatores a serem seguidos pelos órgãos que compõem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, tendo o Decreto n.º 10.887/2021 estabelecido o caráter taxativo das circunstâncias agravantes e atenuantes, de que tratam os art. 25 e 26 do Decreto 2.181/97. 

Desta feita, embora fique claro que há, de fato, legitimidade para os Procons autuarem e imporem multas no âmbito estadual, fato é que alguns Procons vêm determinando critérios para aferição da BASE de CÁLCULO da multa a ser imposta àquele que supostamente infringiu as normas consumeristas.

Não obstante, em nenhuma interpretação dos dispositivos acima citados – nem nos parâmetros constitucionais, nem tampouco nos dispositivos do CDC e seu decreto – há qualquer menção para que haja essa edição de critérios legais que determinem a base de cálculo das multas.

O fato de terem os Procons poderes fiscalizatórios e sancionatórios não os autorizam, na leitura da lei e da Constituição Federal, a editarem portarias determinando as bases de cálculo das multas, mesmo porque o Superior Tribunal de Justiça já externou que o “Decreto Federal 2.181/97 veio a regulamentar a forma de aplicação das sanções administrativas previstas no Código de Defesa do Consumidor” (…) “(REsp 960875/ AL, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe 01.12.2008). 

A ilegalidade destas Portarias como meio para determinação e quantificação da multa é manifesta, tanto pela usurpação de competência como pela ilegalidade na forma.

Além do que, há ainda outro fato a ser considerado, uma vez que a imposição da multa ultrapassa muitas vezes o limite regional de atuação daquele Procon, impingindo caráter sancionatório a todos os estabelecimentos indistintamente, localizados em outros Estados da Federação, o que não se pode admitir.

Trata-se, ao fim e ao cabo, de discussão acerca dos limites de atribuição de competências constitucionais, assunto que deve ser discutido no âmbito do Poder Judiciário.


[1] Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: V – produção e consumo;

[2]  Art. 55. A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas respectivas áreas de atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços.

[3] STJ, REsp 292942/MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 07/05/2001). (REsp 586316/MG, Rel. Min. Herman Benjamim, DJe 19/03/2009).

[4] Art. 24. Para a imposição da pena e sua gradação, serão considerados: I – as circunstâncias atenuantes e agravantes; II – os antecedentes do infrator, nos termos do art. 28 deste Decreto. Art. 26-A.  As circunstâncias agravantes e atenuantes, de que tratam os art. 25 e art. 26, têm natureza taxativa e não comportam ampliação por meio de ato dos órgãos de proteção e defesa do consumidor.      (Incluído pelo Decreto nº 10.887, de 2021)

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