Por: André Papini
O planejamento sucessório se tornou uma questão relevante para muitas famílias, exerçam ou não atividades empresariais, especialmente aquelas com patrimônio significativo. Entre as diversas ferramentas disponíveis para planejamento sucessório, a sociedade holding patrimonial é uma das mais utilizadas, diante dos potenciais benefícios que pode proporcionar, como, por exemplo, a economia fiscal.
A sucessão em vida, aliada à transferência de bens para uma holding patrimonial, também pode contribuir para a significativa redução dos riscos de conflitos familiares. Na inexistência de processos de inventário, as questões relacionadas ao patrimônio podem ser tratadas de forma mais ágil e harmoniosa, e com menos interferência de terceiros.
A holding patrimonial é uma sociedade (quase sempre uma limitada ou anônima) criada para ser proprietária de, e administrar os bens originariamente de uma ou mais pessoas. Em geral, a estrutura básica da holding patrimonial, com finalidade também sucessória, consiste na transferência do patrimônio para a sociedade, cujos sócios passarão a ser, por exemplo, os filhos dos até então donos dos bens. Os pais, por sua vez, podem manter o controle da sociedade, das decisões sociais e administrativas, e do patrimônio, através do usufruto (vitalício ou não) das quotas ou ações, cuja nua-propriedade, nesta fase, é dos filhos.
Essa estrutura normalmente funciona bem enquanto os pais ou usufrutuários estão no comando, mas pode se tornar uma armadilha e fonte de graves litígios societários e patrimoniais após o falecimento deles, pois os sócios – normalmente irmãos e parentes – não necessariamente se dão bem e, não raramente, têm relações conturbadas entre si.
A governança corporativa eficaz da holding patrimonial muitas vezes decorre da presença dos pais e usufrutuários no comando, em um contexto de respeito e de autoridade dos pais em relação aos filhos. Entretanto, a partir do falecimento deles, quando os sócios se tornam proprietários plenos das suas quotas ou ações, passando a controla-las, os problemas familiares podem aflorar e refletir na sociedade e patrimônio, gerando graves litígios societários em substituição aos elididos litígios sucessórios em processos de inventário.
Os problemas se tornam ainda mais graves diante da elaboração de documentos societários e contratuais sem regulação adequada e sem customizações. É fácil imaginar, por exemplo, os problemas que podem acontecer em uma sociedade limitada cujos sócios são dois irmãos que não se suportam e não se respeitam, cada um deles titular de 50% das quotas, e que sempre estão em posições contrárias, regularmente por motivos passionais. Nada de anormal (infelizmente) em termos de relações familiares. Porém, no contexto de uma sociedade patrimonial, ela pode acabar implodindo, o que pode ser catalisado pela insuficiência de regras em contratos e estatutos sociais, acordos de quotistas e de acionistas, dentre outros.
Nesse sentido, é essencial que os problemas e dificuldades entre parentes que um dia serão sócios na holding patrimonial sejam considerados no momento em que a estratégia sucessória está sendo construída. Isso permitirá que soluções possíveis sejam pensadas, como a elaboração de regramentos jurídicos mais robustos e customizados, a constituição de mais de uma sociedade holding patrimonial para a segregação de herdeiros e de parcelas patrimoniais, ou mesmo a opção pela não utilização da holding patrimonial como ferramenta sucessória.
Em conclusão, é necessário que a estratégia de planejamento sucessório leve em consideração os conflitos societários que podem surgir após o falecimento dos pais, quando a holding patrimonial passará a ser comandada pelos herdeiros e sócios entre si. Uma governança corporativa eficaz, aliada a documentos societários bem elaborados e customizados, pode minimizar os conflitos e contribuir para a preservação do patrimônio familiar e da própria estabilidade da família.
