Autoria: Júlia Luvison é advogada e atua com temas de Life Sciences, incluindo Food Law e regulatório em Zeigler Advogados
Em decisão recente da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi permitido o uso das expressões “Heinz, o ketchup mais consumido no mundo” e “Heinz, melhor em tudo que faz” para fins publicitários da marca. A decisão negou recurso especial interposto pela Unilever S.A. e apontou que as expressões utilizadas, conhecidas como claims,têm como finalidade conferir aos produtos características e destacar-lhes benefícios.
O processo foi ajuizado pela Heinz em razão da determinação do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) que impôs a suspensão do uso dessas expressões por considerá-las enganosas, uma vez que não seria possível confirmar se, de fato, trata-se do produto mais consumido mundialmente. Na esfera judicial, ainda em primeiro grau, a prática foi considerada lícita, ainda que houvesse concordância quanto à necessidade de demonstração das alegações do fabricante por meio de fonte de pesquisa idônea.
Porém, ao chegar nas instâncias superiores, o Tribunal reconheceu como um recurso legítimo no meio publicitário o uso do exagero como forma de enfatizar uma ideia, o que é conhecido como puffing, uma ferramenta bastante utilizada para diversos tipos de produtos e que não configuraria publicidade enganosa exatamente por conta da obviedade da extrapolação de qualidades conferidas ao produto ou à marca.
Vale destacar o voto do relator, Ministro Marco Buzzi, ao citar que a proibição do fabricante ou prestador de serviço de afirmar que a sua marca é melhor do que as de outros concorrentes não é razoável, ainda mais por não expor mensagem depreciativa aos demais produtos do mercado, afirmando que:
“Além disso, a recorrente, em sua argumentação, realiza uma excessiva infantilização do consumidor médio brasileiro – como se a partir de determinada peça publicitária tudo fosse levado ao pé da letra –, ignorando a relevância das preferências pessoais, bem como a análise subjetiva de custo-benefício”
Portanto, a escolha e verificação da qualidade do produto caberia ao consumidor, titular do direito à livre escolha, a quem cabe determinar quais produtos deseja consumir e as razões para tanto, levando em conta as próprias necessidades, capacidade financeira e demais elementos de foro íntimo. Aplicando-se essa lógica, o puffing não poderia ser tratado como publicidade enganosa.
Não é incomum empresas que se utlizam do mesmo recurso questionarem campanhas publicitárias de concorrentes, o que foi considerado pelo Ministro Relator como uma “prática contraditória” e contrária à boa-fé objetiva.
Outra grande empresa do setor de alimento busca defender, neste momento, o uso da expressão “o melhor hambúrguer do mundo” em ação movida por um concorrente e já analisada pelo Superior Tribunal de Justiça. A decisão do STJ garantiu à empresa o direito de se valer do puffing sem caracterizar concorrência desleal e desvio indevido de clientela.
A autora da ação, por outro lado, sustenta que jamais houve uma perícia técnica capaz de comprovar a afirmação da concorrente no sentido de produzir, de fato, o melhor hambúrguer do mundo, o que não estaria embasado em pesquisas de opinião ou outro material capaz de validar a afirmação.
Em relação a essa questão, o ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, destacou que o ponto central da contenda é a relação concorrencial entre as marcas, não sendo possível obrigar a ré a realizar prova que sustente o recurso publicitário.
Em uma situação ou outra, os nossos Tribunais indicam a possibilidade do uso do puffing como válido e regular, sem que se faça necessário produzir estudos, pesquisas ou quaisquer materiais técnicos que sustentem os exageros que caracterizam essa forma de se comunicar com o público consumidor.
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