Programa de Integridade: caminhos para agir em conformidade com a legislação anticorrupção

Isabella Kfouri

Advogada, pós-graduada em Ciências Criminais pela FDRP-USP

Cada vez mais, as ações de integridade são foco de atenção para empresas preocupadas em agir em conformidade com a legislação, sobretudo com as leis relacionadas ao combate à corrupção e a fraudes em procedimentos licitatórios e na execução de contratos administrativos.

A Lei nº 12.846/2013, regulamentada pelo Decreto nº 8.420/2015, revogado e substituído posteriormente pelo Decreto nº 11.129/2022, ficou popularmente conhecida como “Lei Anticorrupção” e foi a primeira lei nacional a abordar o tema exclusivamente. Sua promulgação é resultado de compromissos assumidos pelo Brasil por meio da adesão a Convenções Internacionais. Com seu advento, foram criados alguns institutos jurídicos que visam modernizar e dar celeridade aos procedimentos de investigação e de responsabilização sobre a prática de “atos lesivos contra a Administração Pública”, assim definidos no caput do art. 5º.  Possibilitaram, também, a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de tais atos.

No entanto, para além do caráter punitivo, a Lei também estabelece, nos incisos do seu art. 7º, atenuantes que serão levadas em consideração no momento da fixação da sanção administrativa, tais como “a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações” e “a existência de mecanismos e de procedimentos internos de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de irregularidades e à aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”, de que trataremos a seguir.

Além disso, a Lei possibilitou, em seu art. 16, a celebração de acordos de leniência com a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública, que poderá isentar a pessoa jurídica de algumas sanções e reduzir, em até dois terços, o valor da multa aplicável mediante o cumprimento de determinados requisitos, dentre eles, a colaboração efetiva com as investigações e com o processo administrativo.

O art. 56 do Decreto nº 11.129/2022 define Programa de Integridade como um “conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.” A efetividade do Programa de Integridade também será avaliada para fins de atenuar eventual sanção administrativa em caso de responsabilização, conforme o § 2º do art. 57.

Nesse sentido, com o intuito de auxiliar as empresas a construírem ou a aprimorarem suas ações para agir em conformidade, a Controladoria Geral da União publicou um documento contendo orientações para a estruturação de um Programa de Integridade, além de ressaltar a importância dos cinco pilares fundamentais para seu bom desenvolvimento e implementação, que comentaremos um a um.

Em primeiro lugar, o Programa de Integridade, de acordo com a definição do documento publicado pela CGU, é “um programa de compliance específico para prevenção, detecção e remediação dos atos lesivos previstos na Lei nº 12.846/2015, que tem como foco a ocorrência de suborno, fraudes em procedimentos licitatórios e execução de contratos com o setor público.” Cada pessoa jurídica deverá desenvolver seu programa de integridade baseada nas características próprias de funcionamento, tais como área de atuação, estrutura organizacional, nível de interação com o setor público e principais parceiros de negócios.

Esse Programa deverá ser desenvolvido a partir das análises de risco de cada uma dessas características, o que significa dizer que não existe uma fórmula pronta para seu desenvolvimento. Ele deverá ser elaborado com base nas especificidades de cada empresa.

No entanto, ainda que as empresas devam desenvolver Programas de Integridade que se adequem às suas próprias realidades, há cinco pilares que são fundamentais a todos. Abaixo, as características principais de cada um individualmente.

  1. Comprometimento e apoio da alta gestão

O comprometimento e o apoio da alta gestão da empresa ao Programa de Integridade são a base para a criação de uma cultura organizacional em que todos ajam de maneira ética e conforme os códigos de conduta e de políticas que compõem o Programa. Esse comprometimento deve ser transmitido pelos membros da alta diretoria, que devem incorporar o assunto em suas declarações, verbais ou escritas, sempre que possível, de modo a demonstrarem que conhecem e agem de acordo com os valores que pautam os códigos e as políticas da empresa.

Outra ação recomendada para a alta direção é incluir o monitoramento das ações de integridade como pauta frequente em suas reuniões, a fim de aferir se o programa está sendo plenamente implementado. O monitoramento frequente permite que se identifique, com mais facilidade, eventuais irregularidades ou indícios de falta de efetividade do programa. Nesses casos, a alta direção deve garantir meios para a realização dos aprimoramentos necessários ao programa bem como a adoção de medidas cabíveis de remediação das irregularidades.

Além disso, é necessário que a alta direção assegure a adequada destinação de recursos financeiros, humanos e materiais à instância responsável pelo Programa para garantir sua efetividade.

  • Instância responsável pelo Programa de Integridade

Uma vez que a alta direção da empresa opta por desenvolver ou por aprimorar suas ações de integridade, o passo a seguir é a criação ou a atribuição de uma instância interna responsável pelo desenvolvimento, pela aplicação e pelo monitoramento do Programa. Conforme mencionado anteriormente, uma vez criada ou definida, a instância interna deverá dispor de todos os recursos necessários – materiais, humanos e financeiros – para garantir sua aplicabilidade. A alocação de tais recursos também é uma importante demonstração, por parte da alta direção da empresa, de seu comprometimento com o Programa.

É fundamental, também, garantir a autonomia da instância interna a fim de que possa tomar decisões, implementar ações e apontar eventuais mudanças necessárias ao seu correto funcionamento. A instância responsável deverá coordenar esforços com as áreas correlatas responsáveis pela divulgação do Programa, pelos treinamentos a ele relacionados, pelo funcionamento do canal de denúncias e por outros procedimentos, de forma a garantir que tais ações sejam realizadas conforme as definições do Programa.

A instância responsável precisa, obviamente, deter competência para garantir a apuração efetiva de eventuais indícios de irregularidades, ainda que envolva outros setores ou membros da alta direção. Em decorrência disso, a instância responsável deverá gozar da prerrogativa de se reportar diretamente ao nível hierárquico mais elevado da empresa, caso seja necessário.

  • Análise de perfil e de riscos

O desenvolvimento do Programa de Integridade inicia-se a partir da análise de perfil e de riscos da empresa. Para isso, são necessárias informações como quais são os setores do mercado em que a empresa atua, no Brasil e no exterior; sua estrutura organizacional, quantitativo de funcionários e demais colaboradores; seu nível de interação com a administração pública e suas participações societárias.

Além da análise estrutural da empresa, outro fator que influencia na aferição dos riscos são as características do mercado em que a empresa está inserida, tais como cultura local, nível de regulação estatal e histórico de corrupção. Com base nos resultados da análise de riscos é que deverão ser estruturadas as regras, as políticas e os procedimentos que comporão o Programa de Integridade. É importante que o mapeamento de riscos seja recorrente, a fim de promover as atualizações necessárias ao Programa de Integridade.

  • Estruturação das regras e instrumentos

A elaboração e a atualização dos códigos de ética e conduta, das políticas e dos procedimentos da empresa devem estar baseadas no perfil de riscos. Os regramentos devem conter mecanismos para detecção, prevenção e para remediação de irregularidades, além da previsão de medidas disciplinares para o caso de violação das regras, devendo ser escritos em linguagem clara, concisa e de fácil compreensão e aplicação para todos. É necessária a elaboração de um plano de comunicação e de treinamento, com estratégias específicas para os diversos públicos da empresa.

  • Estratégias de monitoramento contínuo

Por fim, é necessário elaborar um plano de monitoramento para aferir a aplicabilidade do Programa de Integridade, de modo que as eventuais irregularidades encontradas possam ensejar seu aprimoramento e atualização.

O monitoramento contínuo possibilita que a empresa identifique eventuais novos riscos e pode ser feito mediante a coleta e a análise de informações como relatórios sobre as rotinas do Programa e investigações relacionadas; informações obtidas no canal de denúncias; principais reclamações dos clientes da empresa e relatórios de agências reguladoras e fiscalizadoras.

É interessante que a empresa seja submetida regularmente a processos de auditoria, inclusive na instância autônoma responsável pelo Programa de Integridade, para assegurar que as medidas adotadas sejam efetivas e estejam de acordo com as necessidades da empresa.

Conclusão

Como mencionado, o objetivo do documento publicado pela Controladoria Geral da União é abordar os elementos básicos para a formulação de um Programa de Integridade. Cada empresa deve elaborar o seu conforme suas necessidades e particularidades, pois, caso o Programa não atenda com eficácia às especificidades da empresa, poderá, inclusive, ser considerado inexistente para fins de aplicação da atenuante do art. 7º da Lei Anticorrupção.

Os resultados dos cinco pilares somente serão satisfatórios se eles funcionarem de forma integrada. Para além de mero requisito legal para concessão de atenuante em eventual sanção oriunda de Processo Administrativo de Responsabilização, o Programa de Integridade, quando bem elaborado e bem cumprido, pode ser utilizado para a celebração de Acordo de Leniência, nos termos do art. 16 da Lei Anticorrupção, o que o torna uma vantagem competitiva para a pessoa jurídica, uma vez que o mercado tem valorizado, cada vez mais, as empresas comprometidas com a integridade.

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