Por Rodrigo Souza
A Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) a partir de decisão publicada em 25/04/2018, em decisão monocrática do ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso AREsp 1.260.458/SP na 3ª Turma, que conheceu do agravo para rejeitar o Recurso Especial de um renomado Banco. Como fundamento da sua decisão, o relator adotou a decisão do Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJ-SP”) que reconheceu, no caso concreto, a ocorrência de danos morais com base na Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor.
A Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, criada por Marcos Dessaune[1], defende em síntese que todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de problemas gerados por maus fornecedores constitui dano indenizável.
Em sua decisão, o ministro Marco Aurélio Bellizze afirmou que: “especialmente no Brasil é notório que incontáveis profissionais, empresas e o próprio Estado, em vez de atender ao cidadão consumidor em observância à sua missão, acabam fornecendo-lhe cotidianamente produtos e serviços defeituosos, ou exercendo práticas abusivas no mercado, contrariando a lei”, afirmando que a consequência desta falha na prestação de serviços dos fornecedores provoca a seguinte situação:
“Para evitar maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar as suas custosas competências – de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer – para tentar resolver esses problemas de consumo, que o fornecedor tem o dever de não causar”.
Com isso, concluiu o Ministro ser perfeitamente cabível a reparação dos danos do consumidor que dispendeu seu tempo para resolver um problema causado pela fornecedora, diante de sua imposição com relação ao produto fornecido.
Ademais, esta decisão reflete outros precedentes do próprio STJ, como na decisão monocrática publicada em 27/03/2018, na qual o ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do AREsp 1.241.259/SP na 4ª Turma adotou, como fundamento da sua decisão, o acórdão do TJ-SP que reconheceu, na espécie, a existência de danos morais com base na teoria:
“Frustração em desfavor do consumidor, aquisição de veículo com vício ‘sério’, cujo reparo não torna indene o périplo anterior ao saneamento – violação de elemento integrante da moral humana, constituindo dano indenizável – desvio produtivo do consumidor que não merece passar impune – inteligência dos artigos 186 e 927 do Código Civil. ‘Quantum’ arbitrado de acordo com a extensão do dano e dos paradigmas jurisprudenciais – artigo 944, do Código Civil – R$15 mil”, registra a ementa.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relatou o AREsp 1.132.385/SP na 3ª Turma, e, do mesmo modo, conheceu mas negou provimento ao Agravo em Recurso Especial.
Como fundamento da sua decisão, o relator também adotou o acórdão do TJ-SP que reconheceu, na hipótese, a ocorrência de danos morais com base no Desvio Produtivo do Consumidor, conforme o trecho da ementa:
“Reparação de danos morais por danos à honra objetiva da autora devida. Reparação por desvio produtivo, caracterizado pela falta de pronta solução ao vício do serviço noticiado, também devida, como forma de recompor os danos causados pelo afastamento da consumidora da sua seara de competência para tratar do assunto que deveria ter sido solucionado de pronto pela fornecedora”.
No mais, verifica-se pela vasta existência de julgados recentes – todos de 2021, proferidos em diversos Tribunais de Justiça e, principalmente em São Paulo, instituidor de tal entendimento, que a Teoria do Desvio Produtivo veio para ficar, como se pode observar de algumas ementas a seguir disponibilizadas:
RELAÇÃO DE CONSUMO – PRODUTO NÃO ENTREGUE – MÁ-PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – DESCASO COM O CONSUMIDOR – DANO MORAL CONFIGURADO – DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR (TJSP – AC 1006979-51.2020.8.26.0004 – São Paulo – 30ª CDPriv. – Relª Maria Lúcia Pizzotti – DJe 06.07.2021)
DANOS MORAIS CONFIGURADOS – INTELIGÊNCIA DA SÚMULA Nº 192 DO E.TJRJ – INCIDÊNCIA DA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR – Tempo vital que integra a personalidade do indivíduo e cuja perda deve ser reparada. Verba indenizatória fixada que não deve ser reduzida, eis que não é excessiva. (TJRJ – AC 0002309-37.2020.8.19.0212 – 21ª C.Cív. – Relª Desª Regina Lucia Passos – DJe 27.04.2021)
DANOS MORAIS – TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO (TJAC – AC 0700300-69.2018.8.01.0006 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Roberto Barros – DJe 21.05.2021 – p. 13)
TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR – DANOS MORAIS CONFIGURADOS – SENTENÇA REFORMADA (TJGO – AC 5111541-79.2018.8.09.0006 – 2ª C.Cív. – Rel. Fernando de Castro Mesquita – DJe 01.02.2021)
TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO – INDENIZAÇÃO MORAL DEVIDA (TJDFT – Proc. 00062602620168070014 – (1335174) – 3ª T.Cív. – Rel. Gilberto Pereira de Oliveira – J. 24.05.2021)
DESVIO DO TEMPO PRODUTIVO – QUEBRA DA CONFIANÇA – DANO MORAL – CABIMENTO (TJAM – AC 0601864-09.2018.8.04.0001 – Rel. João de Jesus Abdala Simões – DJe 09.07.2021 – p. 30)
TENTATIVAS DIVERSAS DE RESOLUÇÃO NA VIA EXTRAJUDICIAL – APLICAÇÃO DA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR – PRECEDENTES DO STJ – DANOS MORAIS CONFIGURADOS – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL FIXADA EM ATENÇÃO ÀS PARTICULARIDADES DA CAUSA – RECURSO DESPROVIDO (TJCE – AC 0033397-38.2013.8.06.0071 – Rel. José Ricardo Vidal Patrocínio – DJe 09.04.2021 – p. 57)
Perante esse cenário jurisprudencial, refletindo o entendimento da maioria dos Tribunais em todo o país, verifica-se a necessária atenção das empresas ao formato de atendimento e cuidados que devem adotar em todo o relacionamento com seus consumidores!
Com o fim de não apenas fomentar a imagem da companhia perante o mercado que atua, como também reduzir seu passivo, entende-se imperativo investir constantemente na melhoria de processos internos que refletem no relacionamento do consumidor, com o fim de, a cada dia, proporcionar uma experiência de consumo de excelência!
Diante da contínua evolução da sociedade e escassez de tempo, provocada pela moderna vida urbana, que demanda mais horas das pessoas para o trabalho, diminuindo, assim, o seu tempo de lazer, aquela velha máxima de que “tempo é dinheiro” ganha mais foco, pois o tempo tornou-se cada vez mais valioso por conta de sua limitação natural, afinal, um dia não passa de 24 horas, sendo assim, considerado por muitos, algo inegociável.
Somado a isto, instalou-se o compulsório isolamento social, como decorrência da situação global de pandemia, fato que gerou diversos reflexos no cotidiano de todos, como, por exemplo, o acúmulo de atividades dentro da rotina individual, evidenciando o valor que passou a ser acrescentado ao fator “tempo”.
Por isto, qualquer dispêndio de tempo do consumidor em questões rotineiras com os fornecedores, deve ser considerado e analisado pelo empresário com muita criticidade, pois perder tempo, tornou-se inaceitável.
Uma vez presente tal contexto, é importante destacar a necessidade de as empresas constantemente avaliarem todos os seus processos e pontos de relacionamento com o consumidor, reavaliando e aprimorando a forma de prestação de serviço, e, principalmente, o atendimento da célula de pós-venda, por meio de adoção de medidas como o mapeamento de problemas cíclicos, reciclagem dos treinamentos, atualização de sistemas e revisão de prazos, buscando sempre o atendimento do consumidor de forma segura, célere e eficaz!
A adoção dessas medidas não apenas assegurará a redução do passivo da companhia, como também reforçará a sua marca perante o público, agregando valor ao negócio do empreendedor, fatores que são essenciais para a sobrevivência de qualquer empresa diante do ambiente de concorrência contínua.
Como profissionais do direito, agregada à experiência angariada no assessoramento de nossos clientes, podemos afirmar que nossa visão é voltada ao assunto com o fim de criar, como também melhorar práticas empresariais que tornem as companhias melhores na sociedade!
[1] “Teoria aprofundada do Desvio Produtivo do Consumidor”, 2ª edição, Editora: Edição Especial do Autor. São Paulo, 2017.